segunda-feira, 22 de março de 2010

A Google deveria deixar a China?

 
 

Enviado para você por Penha através do Google Reader:

 
 

via Google Discovery de Rômulo de Araújo Mendes em 21/03/10

google china A Google deveria deixar a China? Muito se tem falado nos últimos dias sobre o provável fechamento dos negócios da Google na China. Poucas e fragmentadas são as informações obtidas pela imprensa livre do ocidente sobre o que realmente aconteceu e as reais razões de um eventual encerramento de atividades. À primeira vista, parece que são dois os principais motivos, que geraram o último grande embate: a invasão de contas do GMail de dissidentes chineses e o furto de propriedade intelectual promovida por empresas chinesas, tudo feito por piratas da Internet, que, segundo acusações das agências de notícias, estariam a soldo do governo de Beijing, que, diga-se de passagem, nada fez para investigar os crimes e punir os culpados.

Obviamente, a participação do Estado Chinês não pode ser provada e não estamos aqui a condená-lo, mas apenas a reportar o que tem sido noticiado na imprensa internacional.

De qualquer forma, importante é frisar que as relações entre a Google e o governo chinês nunca foram fáceis. Antes, desde que foi lançado, em janeiro de 2006, o Google.cn se viu obrigado a se submeter ao "grande firewall chinês", um eufemismo para a censura descarada praticada pelo governo, em um pais que não conhece a liberdade de expressão. Isto não era novidade, porque Microsoft e Yahoo! também já haviam sido obrigadas a se submeter. Já a Baidu esta sempre praticou a censura governamental sem maiores problemas, o que aparente ser isso parte de sua própria cultura corporativa. Isto, aliás, justifica em parte as dificuldades de Google, Microsoft e Yahoo! na conquista do mercado chinês.

A decisão de ficar ou não na China envolve muitas variáveis e a função deste artigo e tentar  demonstrá-los, de forma a que cada um dos leitores possa tirar suas próprias conclusões, visto que a questão é complexa e envolve questões de grande complexidade e não possuem necessariamente uma única resposta.
Para tanto, precisamos procurar respostas para algumas perguntas.

Por que a Google está competindo no mercado chinês?
Por dois motivos básicos: é proposta da empresa atuar em todos os mercados do mundo, onde os governos lhe permitem competir com as empresas locais em buscas pela Internet e porque a China é o maior mercado potencial de Internet do planeta.

Então quer dizer que o volume de receitas de pesquisas na China é maior que o de qualquer outro pais do mundo?
Não. A China tem o maior mercado potencial. Não o maior mercado real. Tem o maior mercado potencial porque tem 1.300.000.000 de habitantes e já possui mais internautas de os EUA e mais usuários de aparelhos móveis que a própria população da América. São hoje cerca de 216 milhões de internautas e mais de 300 milhões de usuários de equipamentos móveis.
Estes números não se revertem, entretanto, em receitas reais de Internet. Na verdade, não se sabe exatamente qual é o faturamento da Google na China, mas especula-se algo em torno de US$ 500 milhões a US$ 600 milhões por ano. Há possibilidade até de esta operação não ser lucrativa. Em verdade, quase metade dos US$ 6 bilhões de receitas, que a Google teve no último trimestre de 2009 vieram de sites hospedados nos Estados Unidos.

Se é assim, por que a China é econômica e estrategicamente tão importante para quaisquer dos players da Internet?
Porque o conjunto da população forma o segundo Produto Interno Bruto do planeta. Esta população, em sua maioria, é bastante pobre, mas está se enriquecendo a uma taxa média de 8 a 10% ao ano. Em outras palavras, a cada 7 anos, a economia da China dobra de tamanho. Isto já tem ocorrido há cerca de 30 anos e poderá continuar a acontecer por mais 30 anos. Em sendo assim, haverá uma massa gigantesca de consumidores, que, unitariamente, nem chegarão aos pés da capacidade de compra dos consumidores americanos, mas que, no conjunto, poderão chegar perto ou até ultrapassar.
Para se ter uma idéia de como este mercado tem, no Brasil, em 2009, com uma população de 192 milhões de habitantes, foram vendidos  3,14 milhões de automóveis novos. Na China, por outro lado, com uma população de 1,3 bilhão de habitantes, foram vendidos 6 milhões de automóveis. Em termos absolutos, foi quase o dobro de vendas que no Brasil. Em termos relativos, no entanto, o consumidor consome 3,5 vezes mais automóveis que o consumidor chinês. A considerar que a economia deles está crescendo a 10% ao ano, em 2020, na China poderão ser vendidos mais de 15 milhões de automóveis.
Se hoje há na China cerca de 216 milhões de internautas, em 2020, poderá haver cerca de 560 milhões.
Do ponto de vista comercial, isto não é nada desprezível.

A Google tem obtido sucesso sucesso na conquista do crescente mercado chinês?
Como já havíamos dito em um artigo escrito em agosto de 2007, a disputa no terreno chinês não tem sido fácil. De um lado porque a empresa precisou aprender a cultura local. De outro e mais importante, precisou aprender a trabalhar com a brutal censura chinesa e em uma situação de grande desvantagem frente a local Baidu, que conta com o apoio total dos governantes, porque é bastante cooperativa, o que não acontece com os buscadores ocidentais (Google, Microsoft e Yahoo!).
Apesar de tudo isso, como nos lembrou o Willian Max, em seu último post, em quatro anos, a Google.cn conquistou 35% do mercado, o que é um feito notável.

A Google.cn se verga à censura na China?
Sim. Nenhuma empresa de comunicação em território chinês está livre do dever se submeter ao filtro de censura.
O que houve recentemente e que fez deteriorar mais o relacionamento entre a Google e o Governo Chinês (gerando até uma crise diplomática entre Estados Unidos e China), foi a recente invasão de contas de Gmail de dissidentes políticos e o furto de propriedade intelectual, conforme alegado, sobre o patrocínio e a serviço das forças de inteligência da censura chinesa.

Aceitar a imposição do filtro chamado "grande firewall chinês" não torna a Google uma empresa contrária ao seu lema conhecido como "don't be evil"?
Esta é uma pergunta difícil de responder, porque há opiniões diversas. Há quem entenda que basta aceitar a censura (e se submeter ao filtro governamental é uma forma, ainda que forçada, de aceitar), para deixar de se tornar ético.
Para outros, é importante a presença em países politicamente ditatoriais de empresas de comunicação comprometidas com a liberdade de expressão, mesmo que, para tanto, sejam obrigadas a se submeter à censura. Entre estas empresas, no caso específico de China,  devemos enquadrar, além da Google, a Microsoft e a Yahoo!. Para este segundo grupo, a existência de tais veículos de comunicação abre brechas, por mais que sejam pequenas, no arbítrio estatal e, vez por outra, serve de válvula de escape para os dissidentes do regime.
No Brasil mesmo, nós tivemos exemplos disso na imprensa, quando da ditadura militar, quando órgãos como O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Pasquim e tantos outros. Esta imprensa, mesmo quando era amordaçada, às vezes conseguia informar nas entrelinhas da mordaça. Esta era a luta constante dos defensores da liberdade de expressão.

Mas não é dever da Google a defesa intransigente da liberdade de expressão?
Sem dúvida. Liberdade de expressão é dogma das sociedades livres. No entanto, como vimos anteriormente, há duas formas básicas de se postar na luta por este dogma. Parece que agora a Google estaria inclinada a buscar a total liberdade de expressão na China, ou, pelo menos, um acordo destinado a impedir ataques a dissidentes políticos ou minorias étnicas ou religiosas. Afinal, ela afirmou que iria parar de se submeter ao filtro da censura. No entanto, foi prontamente admoestada pelo governo a não fazê-lo, sob pena de submeter à mão forte do regime.
Quais as chances de a Google conseguir liberdade de operação no território chinês?
Remotíssimas. Somente não diria impossíveis porque há enormes interesse comerciais envolvidos entre os Estados Unidos e a China. Se isto fosse um jogo de apostas, eu não colocaria meu dinheiro nesta hipótese.

A liberdade de expressão e a democracia são valores tão importantes para o imaginário do povo chinês quanto o são para as nações democráticas, notadamente as do ocidente?
Trata-se de outra pergunta difícil de ser respondida. Em termos históricos, em qualquer local do planeta, inclusive nos países hoje baluartes da democracia, as liberdades públicas começaram a ser respeitadas a relativamente pouco tempo. Estes conceitos surgiram no século XVIII, o que é algo recente em termos de humanidade.
Povos historicamente pobres, como é o caso dos chineses ou que já vivem por muito tempo em situação de opressão política ou religiosa, tendem a aceitar mais facilmente os desrespeitos às liberdades públicas, principalmente, como é o caso, estão crescendo em termos econômicos.
Um exemplo claro disso ocorreu aqui mesmo durante o chamado milagre brasileiro, quando não tínhamos liberdades e vivíamos sob uma brutal ditadura, regime este que tinha, no entanto, apoio de grande parte da população, porque estava ascendendo economicamente.
Por ser tão fechada, não temos informações suficientes sobre a sociedade chinesa, para saber como se sente este povo quanto ao desrespeito às suas liberdades públicas, o que ocorre, indubitavelmente, porque na China há uma ditadura.
Isto, no entanto, não nos exime de lutar para que os chineses tenham plenas liberdades, mesmo que isto demore décadas para acontecer.

A ditadura chinesa durará para sempre?
Não. Nenhuma ditadura dura para sempre. Nenhum império dura para sempre, porque um dia o seu poder de coerção se esgota em si mesmo e os seus súditos desejarão algo mais, que somente encontrarão noutras formas de governo e noutros regimes. Exemplos os temos aí aos montes, sejam ditaduras de direita, sejam ditaduras de esquerda. Podemos citar, além da ditadura militar brasileira, do Império Romano, a União Soviética, o nazismo e tantos outros.
A nota triste, no entanto, é que não se espera que a ditadura chinesa caia em menos de 30 anos.
Trata-se de um cálculo simples. Especula-se que até agora cerca de 300 a 500 milhões de chineses tenham saído da linha da pobreza. Assim, ainda restam cerca de 800 milhões de chineses com esperança de deixar de serem pobres. Os que deixaram de ser pobres recentemente, não possuem muitos motivos para que hajam grandes mudanças, que, eventualmente, poderiam lhes retirar status. Os que ainda são pobres, aspiram sair desta condição e vêem esta perspectiva, porque o país está crescendo a taxas próximas de 10% ao ano.
Calcula-se que gastarão mais 30 ou 40 anos para retirar toda esta população da pobreza.
Acontece que a política governamental, que impôs filhos únicos durante anos, com seus relaxamentos posteriores, gerou uma verdadeira bomba demográfica, que deverá explodir em 25 ou 30 anos. Eu explico: hoje a China tem uma enorme população na faixa etária entre 15 e 25 anos, que para os padrões locais, é produtiva. Veja o gráfico:
acge1210 A Google deveria deixar a China?

Em 30 anos, a maioria esmagadora desta faixa etária estará idosa e necessitada de aposentadoria. Acontece que a China não tem sistemas de saúde universalizado e de previdência social. O cuidado dos idosos é feito pelos mais novos da família. Isto tenderá a reduzir drásticamente a renda das famílias e, via de consequência, o PIB da China.
Isto poderá praticamente parar a economia chinesa. Se isto acontecer, o regime cairá, porque haverá grande convulsão social.

Permanecer na China, mesmo depois de todo este incidente não seria pior para a Google?
Esta é a resposta que todos esperam para os próximos dias. Seus executivos deverão sopesar uma quantidade gigantesca de variáveis, para tomarem esta decisão. Vale lembrar que quanto à maioria delas estamos muito longe de sequer cogitar conhecer.

Mas a luta pela liberdade de expressão na China deverá esperar 30 anos, até que a ditadura desmorone?
Esta pergunta precisa ser respondida por cada um dos leitores.

Este artigo não pretende encontrar respostas, mas perguntas. Afinal, eu estou aqui como o o Velho Guerreiro, o saudoso Aberlardo Barbosa (que poucos de vocês conheceram), o Chacrinha: "eu vim para confundir e não para explicar".

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